Cartões postais, sombras e construções
- Francisco Deppermann
- 13 de set. de 2021
- 3 min de leitura
Quando tinha 45 anos e já era um bem sucedido alto executivo de grande empresa, com uma bela família construída e cuidada, minha mãe me olhou e fez a mais cortante das perguntas que eu havia escutado em toda vida: “Se você já conquistou tudo isso, por que não parece feliz?”.
Pego de surpresa, naquela época não soube responder. Mas permiti que a pergunta ecoasse em mim por muitos anos. Por que convivia com uma certa infelicidade, se havia conquistado tudo aquilo que me disseram que seria motivo de felicidade?
Bom estudante que sempre fui, resolvi buscar a resposta. Terapia, reflexões, conversas, leituras, meditação. Pela pirâmide de Maslow, depois de satisfeitas as necessidades humanas básicas como as fisiológicas, de segurança, sociais, autoestima, eu deveria estar sentindo a “autorealização”. Mas desconhecia no meu corpo essa sensação e isso estava estampado em meus olhos.
Os anos seguiram, entre novas conquistas profissionais, um casamento bacana, filhos crescendo, uma casa confortável, amigos e viagens bonitas nas férias. Dessas viagens comecei a trazer na bagagem, ao lado das fotos de locais paradisíacos, percepções incômodas bem guardadas como souvenires.
Havia acabado de voltar de Cartagena das Índias, na Colômbia. É um desses destinos que me marcaram e me modificaram. Aquele local deslumbrante foi cenário de um dos maiores portos de entrada de escravos na América. Lá a Inquisição foi feroz, exterminando muito da sabedoria ancestral local. Eu passei por lá como um viajante bem intencionado, fazendo girar a roda do turismo, mas fui impregnado por novas perguntas: como tivemos coragem de destruir famílias? De arrancar pessoas de seus países para trabalho escravo em outros locais? Como isso pode durar 350 anos de nossas histórias?
Dessa vez, o incômodo me mobilizou para pequenas e transformadoras ações. Voltei com o desejo de trabalhar ativamente pela inclusão de pessoas negras no mercado de trabalho, buscar oferecer o que eu havia aprendido até ali para diminuir esse gap criado pela violenta História da Humanidade. Conheci o trabalho da Empodera, passei a atuar como mentor voluntário. E a vida me pedia mais.
Minhas filhas gêmeas e minha mulher, feministas, traziam para a sala de jantar questões também difíceis de digerir para um homem forjado e bem sucedido nas lógicas do patriarcado.
A cada café da manhã, almoço ou jantar, entendia que, aos 55 anos e quase 35 de carreira, precisaria descontruir tudo para enxergar o mundo novamente e reconstruí-lo, enquanto me reconstruiria também. Precisei dialogar ferozmente com as sombras que habitavam meu jeito de existir no mundo. Precisei sentir que sim, era preconceituoso. Precisei ter coragem para começar [ e seguir ] nessa grande mudança.
Agora aos 58 anos, sei e sinto que tenho uma nova carreira para construir pela frente. O foco, agora eu sei, é dignificar minha existência e atuação. Venho buscando minha nova turma, pessoas com valores semelhantes, que olham para o mesmo mundo que eu desejo ajudar a construir.
Como mentor, como conselheiro, como investidor anjo, como empreendedor de impacto, como consultor da Amélie, como pai e marido, entendo que agora sim construo o legado que desejo para a minha biografia. É preciso enfrentar muitas batalhas e discussões para construir o novo. Hoje meus olhos já mostram essa luz do novo, ao menos para mim.
Agora, posso e quero estender as mãos para equilibrar por esse caminho pessoas e empresas que também queiram vir conosco. Vamos?
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